AS SAUDADES DA MORENA
O que contar de uma pessoa que veio de férias a Portugal, gostou de Lisboa e por cá ficou? À primeira vista, tem tudo para ser mais uma história sobre as praias de areia quente e os petiscos que nos fazem agradecer por vivermos nesta ponta da Europa.
A história de Agostinho Neto não é trágica. Mas é feita de dificuldades e burocracias. E de saudades da Morena. Falamos de um homem de 31 anos, cujo sonho é ser advogado. E é muito por culpa dele que não o é - frequentou uma das mais prestigiadas universidades de Luanda, à noite. Mas nunca veio a terminar o curso. Justifica-se com a necessidade que teve de ajudar a criar as filhas. E o Direito ficou adiado.
Agostinho tornou-se pai nessa altura. A mãe, garante, é a mulher mais bonita de Luanda: a Teresa, ou Morena, era a namorada quando souberam que seriam três. Rapidamente foi preciso avisar os pais de ambo. Ou, neste caso, os tios de Teresa. Porque Agostinho preferiu não enfrentar logo um sogro irritado. As famílias conheceram-se, os dois encontraram uma casa em Luanda que se tornaria, mais tarde, um lar. E a bebé nasceu. Agostinho desistiu do ensino superior, garante, para que Teresa terminasse o curso de professora.
Os dois têm agora duas filhas. De cinco anos e de dois e meio. E seis mil quilómetros entre eles. Agostinho veio a Portugal visitar a mãe e a irmã. Era Verão de 2016, lembra-se de chegar e achar que as estradas eram demasiado estreitas. Afinal, está habituado às angolanas. Teresa não queria que viesse, mas Agostinho sabia que teria de convencê-la. A família vivia cá há alguns anos, desde que a irmã - caçula - foi diagnosticada com um tumor e veio procurar ajuda. Acabaram por ficar, mãe e irmã, e sempre insistiram para que Agostinho viesse. Veio por 40 dias. Visto tratado, prazo definido, Morena
conformada. Cá, iria também ele procurar ajuda médica para um problema que em Luanda, nunca foi diagnosticado. Começou com infeções na garganta. Esteve meses sem falar, foi internado várias vezes, perdeu parte da vista e da audição.
Mas há coisas que não se explicam. E Agostinho garante que, mal chegou a Portugal, melhorou. Nunca foi ao médico. Justifica-se com o clima. Quem cá vive, acredita. Duas semanas passaram e Agostinho avisou a Morena de que não voltaria. Luanda ia perdendo fôlego, Teresa ganhava agora mais como empregada doméstica do que como professora. A nova missão seria encontrar um emprego por cá, para depois trazer a família.
Parece fácil. Afinal, a mãe trabalha cá, assim como a irmã, e um irmão, que também deixou Angola. Mas Agostinho deixou passar os 40 dias do visto. Nas duas entrevistas de emprego em que foi escolhido, exigiram-lhe os documentos de residência em Portugal. Mas quando vai aos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras pedi-los, exigem que arranje um emprego, antes de os ter. O chamado ciclo vicioso. Não será fácil saber o que fazer num país que não é o nosso. Agostinho procurou ajuda no CEPAC, que a mãe já conhecia. E entrou na formação que, espera, o guiará até um emprego. Para depois poder enviar dinheiro à Morena, para que aterre o mais brevemente possível em Lisboa. Com as filhas, que há um ano Agostinho só vê através de um ecrã. E os ecrãs, já se sabe, são sempre demasiado pequenos para
as saudades. Agostinho já sente Lisboa como a sua casa, e garante que
fará em Portugal o que for preciso. Desde que se sinta à vontade, que o façam sentir à vontade. Integrado. E que possa continuar a aprender. "A vida é feita de aprendizagens", diz-nos Agostinho. Sem dúvida. Está a estudar português, não que precise - sempre trabalhou com a comunicação e o português, em Angola. Primeiro, no marketing de uma das principais empresas do país, depois na receção de duas outras - um colégio, e um centro de formação de jornalistas. Era ele o primeiro contacto com quem chegava, sempre com o melhor cartão-de-visita que tem: o sorriso.
