OLINTO PERSISTENTE
Há quem tenha vindo para cá enganado. Quem se tenha metido num avião sem nada, à procura de melhores condições. Quem tenha viajado com falsas promessas de trabalho, ou de familiares que, afinal, não têm mais do que um sofá para dar.
A chegada de Olinto Sacramento a Portugal é diferente: veio a Lisboa enterrar a mãe. Não a via há 17 anos, desde que ela resolveu emigrar de São Tomé e Príncipe para Portugal. Na altura, Olinto já tinha 23 anos, e soube encarar a ausência da mãe com a normalidade que se encontra quando, já adultos, nos separamos dos nossos, pelas melhores razões.
Quando a mãe partiu para Portugal, ele ainda não trabalhava. Só 3 anos depois, aos 26, teve o primeiro emprego fixo. Primeiro, como taxista e guia turístico. Depois, como administrativo - o homem que compra o que é preciso, que resolve o que é preciso.
Gostava muito dos 2 trabalhos. Mas não era ali que queria trabalhar. Começou a trabalhar na Direção de Regulação e Controlo das Actividades Económicas de São Tomé. Uma espécie de ASAE do país africano. Olinto era inspector. Lá trabalhou até à morte da mãe, em 2016.
Garante que veio sem planos para cá ficar. Mas havia espaço para ele, na casa que até ali pertenceu à sua mãe. Tinha cá a irmã mais nova, e quando cá estava recebeu uma proposta imperdível, diz: durante pouco mais de 2 meses, tinha a hipótese de fazer uma formação com a ASAE. A portuguesa. E Olinto não disse que não.
Só que recebeu a proposta quando já cá estava há 1 mês. As aulas duraram 68 dias. Chegou ao fim feliz, com novos amigos e conhecimentos, mas ilegal, com o visto de turista caducado.
Diz que, no SEF, lhe pediram para comprar um bilhete de avião para São Tomé, e que só assim poderia tratar dos papéis para cá ficar. Mas Olinto teve medo, e nunca mais procurou o SEF.
Foi aqui que começaram os problemas. A falta de dinheiro não era, a princípio, o principal. Tinha algum conforto financeiro, ainda do trabalho de São Tomé. E não precisava procurar casa, vivia com a irmã. Mas começou a procurar trabalho na construção civil, na restauração. Todos lhe respondiam que estava ilegal, e que por isso, não podiam contratá-lo.
Daí, passou 4 meses a reorganizar-se, a conhecer, a perguntar. E depois procurou no CEPAC a ajuda para tornar numa boa decisão, aquela que, até agora, apenas parece uma decisão arriscada - ficar em Portugal, sabendo que o visto iria terminar.
A formação de 3 meses do CEPAC em português ajudou-o a refrescar conhecimentos, a fazer amigos e a adaptar-se a Lisboa. Quando falámos, estava ansioso pelo início do estágio nos Salesianos, em manutenção e limpeza.
Olinto era inspector de fiscalização económica em São Tomé, mas garante que não ficou desiludido quando lhe ofereceram um estágio tão distante das suas capacidades. Responde que não é mal agradecido, e que todas as oportunidades são boas para conseguir um passaporte português.
Depois, já legalizado, garante que irá à procura de um emprego que o faça (mais) feliz. O sonho era trabalhar na ASAE, mas acredita que as leis da Administração Pública nunca o irão permitir. Acredita não, sabe. Porque conhece muitas de cor. Quer fazer uma licenciatura em Direito. Tem em casa a Constituição Portuguesa, o Código Penal. Diz que a licenciatura é para ele, que não acredita que possa vir a exercer em Portugal. Vê-se, por exemplo, a ser condutor de autocarros de passageiros, num futuro próximo. E, quem sabe, ser voluntário no CEPAC, a ajudar pessoas que, como ele, se vêem num país diferente, sem documentos.
Nos entretantos, Olinto espera conseguir trazer para Portugal a mulher, Sandra, professora em São Tomé, com quem casou há 11 anos, e os 3 filhos - 2 rapazes e 1 menina. Olinto não conhece o mais novo. Anderson nasceu já o pai vivia em Portugal. A mulher estava grávida quando apanhou o avião para enterrar a mãe, e nunca mais voltou.
Tal como a mãe, Olinto procura condições e oportunidades melhores do que as de São Tomé.
Sandra, a mulher, concorda. Os dois esperam juntar-se, em breve, em Lisboa.