ONDE VAIS AISHA?

26-02-2018

Imaginem uma janela, com parapeito para a rua, decorada com portadas que abrem generosamente de par em par. Com flores nos canteiros e um sorriso. Mesmo no centro do parapeito, com olhos doces, cintilantes, cabelo arranjado, mãos falantes e ombros ligeiramente fletidos em jeito de menina com vergonha.

Nestes olhos cintilantes encontramos Aísha Omelala, 29 anos, nigeriana, nascida em novembro, numa família de 5 irmãos. A história de Aísha começa na sua terra natal onde, após uma infância e adolescência feliz, ingressou na universidade para estudar finanças. No final de dois anos com sucesso na -universidade realizou um estágio profissional. Terminado o estágio prosseguiu os seus estudos universitários, tendo-se deslocado para Kaduna, capital da região norte da Nigéria. Estava em Kaduna em 2013, quando ocorreu um dos múltiplos ataques e massacres realizados contra a população nigeriana, por homens que combatem por um estado islâmico.

Com a intensificação da violência e constantes ataques à população, Aísha decide regressar a casa em Lagos, a maior cidade da Nigéria, que se expande para o interior a partir do Golfo da Guiné. O autocarro em que fazia a viagem de regresso a casa é atacado por um bombardeamento. Das cerca de 70 pessoas a bordo morreram 20 ou 25. Aísha foi salva. Por sorte, por acaso ou pela graça de Deus. Ainda hoje não sabe, apenas recorda esse dia com dor, tristeza e muita emoção.

Após este incidente ficou decidido "tens de partir", disseram os pais. "As tuas irmãs na Europa, uma em França e outra em Portugal, ajudam-te". Aísha cumpriu os desígnios da família, por amor, por segurança, "por ser o melhor". Porém, na Nigéria ficou Sheriff, o seu primeiro amor. Os pais não autorizaram o casamento. "Ele não é para ti" disseram. Aísha, em jeito de menina, com olhos de água e coração apertado cumpriu.

Chega a França, com visto de turismo e vestida- só de esperança. Esperança numa vida melhor, num futuro promissor, para continuar os seus estudos. Para ser alguém. Mas está tanto frio! O sol brilhando não aquece. Compreendeu que nunca tinha tido frio, como agora. E a terra não tinha o cheiro do mar e o calor da Nigéria. Tudo era diferente, difícil, frio. Decide ir para Portugal, "há mais calor, não é?".

Chega a Portugal em 2014. Na casa da sua irmã encontrou um teto, muitas exigências, parcas condições e pouco amor. Durante meses dorme no chão, diariamente lhe exigem garantias para o seu sustento, mas sem ajuda para aprender a língua, procura de trabalho ou condições de legalização.

Aísha contava as horas do dia, na sua janela, vendo o movimento da rua, das pessoas. E foi nessa janela que conheceu pessoas que a ajudaram a encontrar outros caminhos. Nessa janela foi testemunha e a causa de atos de bondade e pura gentileza. Ajudaram-na com roupa, medicamentos, deslocações à embaixada. Com momentos de amizade e partilha, para acalmar a dor. Em 2015, decide sair da casa da sua irmã. É recebida por uma senhora do Gana, que a aceitou como uma filha. Ensinou-a a cortar cabelo, deu-lhe roupa, comida, abrigo e carinho. Pela primeira vez, na sua vida, tomou uma decisão por si. "É por aqui!" pensa Aísha. Mas a irmã, com o apoio dos pais, exige o seu regresso e obriga-a a aceitar um trabalho, como empregada interna, a ganhar um valor inferior ao ordenado mínimo. Em condições que não vale a pena recordar...

Mas o espírito de Aísha não desiste. Com persistência, encontra um novo trabalho, com melhores condições. Finalmente, pode cuidar de si e da sua saúde que se vinha a deteriorar.

Em 2016, através de um contacto com um amigo nigeriano, falam-lhe do CEPAC. "Podem ajudar-te com os teus documentos". Quando chegou, no seu jeito de menina envergonhada, pediu ajuda para falar o português e ajuda para a sua legalização. No CEPAC, ingressou no projeto SIC Esperança, onde frequenta aulas de português, e realizou um estágio profissional na Guest House, no Chiado. Em 2017, já reúne as condições para solicitar autorização de residência, tem um emprego, arrendou uma casa. Aísha sonha prosseguir os seus estudos de finanças e formar a sua família.

Quando se põe à janela, a pensar no futuro, recorda com saudade o cheiro do mar da Nigéria, mas cheia de expectativa no futuro. Se lhe perguntarem hoje "Onde vais Aísha?" responderá, com olhos cintilantes, "Onde eu quiser!"

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